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sábado, 30 de março de 2013

A história mal(u) contada



Um dia desses fui indagado por uma bonita e simpática jovem se eu era professor de história. Na brincadeira disse à jovem que contava história. Demos boas risadas e começamos um ligeiro diálogo. Em verdade, foi mais um monólogo. Expliquei que a minha especialidade, se é que posso classificá-la de especial, é contar história da Imprensa relacionada aos principais momentos políticos. No bate-papo informal, afirmei que contar história como se conta uma cena de telenovela é imposição capitalista. Ou seja, é a verdade revelada por uma única fonte. Informar ao aluno que o Cabral chegou aqui por que chegou não o faz refletir e interpretar o fato histórico. É um jogo mecânico e automático que o aluno ouve, mas não registra como conhecimento.



Resolvi contar esta passagem para comentar o quanto é fundamental retratar a História, não importa o período, depois de uma leitura atenta às diversidades do tempo. Registrar os fatos históricos sem antes de uma pesquisa qualitativa e quantitativa é pura retórica dos vencedores. E por citá-los, quero dizer que boa parte da História tem o enfoque dos vencedores, mesmo aqueles que adotam a cultura dos vencidos. Marx dizia que as ideias dominantes em uma sociedade são as ideias da classe dominante, que, consequentemente, determina o que é importante ou não no contexto histórico, político, econômico. 1 A história que me refiro não é só aquela dada em sala de aula, mas também a publicada em livros não escolares por pesquisadores, em revista e jornal ou em publicações científicas. O jornalista Eduardo Bueno relatou em três volumes, publicados pela Objetiva, uma parte da História brasileira, começando com a viagem do descobrimento, mas depois de longa pesquisa. O mesmo fez o também jornalista Georges Bourdoukan ao narrar a saga do mulçumano Saifudin, apelidado de Capitão Mouro, construtor das fortificações do Quilombo dos Palmares e amigo de Zumbi.



Contar história de uma comunidade ou de um continente não se restringe a uma lista com nomes de personagens ou a versão do colonizador. As fontes de informação precisam ser diversificadas, ou melhor, diferenciadas para mostrar as contradições, as visões antagônicas e as formas que cada personagem relata a História. O jornalista tem a responsabilidade social de relatar a História como ela é e não como ele imagina ser. Uma relação de nomes não é uma fonte primária e sim uma informação generalizada que precisa ser checada na sua plenitude e depois purificada. Para ilustrar melhor a minha preocupação com a história de mão única, menciono uma frase do professor Philip Meyer que nos faz refletir o quanto é perigoso o fato jornalístico parcialmente relatado. “Bons jornalistas, diz a lenda, usam tanto o cinto quanto suspensórios: verificação e dupla verificação. Eles não serão apanhados com as calças caindo”.2



O que se busca ao registrar a História de um povo é fortificar as características humanas e ainda evitar que ela seja instrumento de dominação cultural da classe elitista. A boa História é contada nos detalhes e não é ilusionismo. A história mal apurada jamais deve ser divulgada para não correr o risco de cometer injustiça social. Um erro irreparável é injustificável.



A professora Cremilda Medina, ECA/USP, argumenta que nos países periféricos onde o coronelismo determina e direciona o ritmo da vida das comunidades carentes, a história deixa de ser uns dos caminhos enriquecedores do conhecimento e ser transforma em instrumento de manipulação da classe elitista. “A ausência de consciência histórica como traço patológico da sociedade brasileira – bastante acentuada pelos regimes autoritários – sublinha nossa dependência e nossa fragilidade.”



Encerro este recado com uma frase dita por um personagem jalesense [Jales/SP]: “Vencer é educar a mente”. Sebastião Moraes.



1 – GUARESCHI, Pedrinho. Comunicação e poder. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.

2 – MEYER, Philip. A ética no jornalismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

3 – MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto à venda. São Paulo: Summus,1988.



Antônio Vieira Júnior

Jornalista e professor

Doutorando em jornalismo ECA/USP.

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·         Texto escrito há 13 anos [+ou-] antes de concluir o doutorado em 2002.

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