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domingo, 3 de abril de 2011

Era uma vez...


Por
Vieira (Lata)


35 anos um grupo de adolescentes irreverentes derrotou uma qualificada e experiente equipe de futebol da então bola pesada. A vítima foi o Banespa Esporte Clube de Jales (SP). O cenário foi a quadra municipal de Jales. Foi uma das mais belas partidas realizadas na inesquecível quadra de todos nós. De um lado jogadores experimentados; do outro um bando de moleques que carregavam no peito o símbolo da paz e da luta por uma sociedade mais humana. Foram quarenta minutos de pura maestria. Zezinho, Casselato, Bauab, Zé Cláudio iluminaram ainda mais o espetáculo. Venceu a juventude porque soube cadenciar a saídas de bola e aproveitar os momentos de indecisão do adversário. Placar 3x2 para o Sputnik.
Hoje de madrugada ao rever a foto me senti em 1972, como se vivesse o passado no momento exato em que escrevo essas mal traçadas linhas. A imagem é estática, mas ao fazer uma leitura percebo que há movimentos porque há história. São nove personagens e uma bandeira vermelha e branca. São nove figurinhas carimbadas pelo destino. São nove pares de olhos que olham ao infinito desejo de amar como se não houvesse o hoje. São nove pares de pernas que se movimentaram por um objetivo em comum: o prazer de ser feliz ao correr atrás de uma bola pesada ao extremo. São nove ilustres meninos que nunca mais jogaram juntos, o que é lamentável porque eram cronistas da vida real. São, jamais deixarão de ser, vencedores.
Não há como ler essa foto e não se emocionar ou deixar a saudade bater mais forte. Lágrimas que caem são de pura felicidade e de profunda paixão pelo viver intensamente. Vejo-me diante de uma luz que foca os meninos vibrantes, arredios ao desleixo do juiz, imponentes no ataque, perversos na defesa, festivos ao apito final e pousados para a foto da posterioridade.

A história da vitória 
Era um dia de julho de 1972. Eu (Lata) e Pita saímos involuntariamente apressados do Tênis Clube de Santa Fé do Sul (SP). Na verdade, saímos voando com a perua Rural (ano 1970) que eu pilotava. Era final de tarde. Longe do perigo, ficamos sem rumo. O destino mais sensato foi retornar ao leito querido. Travados e enlouquecidos, estacionamos a guerreira Rural em frente ao portão da quadra municipal. Naquela época a rua seis era mão para baixo, em direção a avenida Francisco Jalles. Mal colocamos o pé no degrau da escada, aparecem Zezinho, Casselato, Zé Luizinho apavorados a minha procura. Motivo? Jogo de camisa. Eu guardava em casa um jogo do Sputnik. Eles iriam jogar contra Fernandópolis pelo Torneio de Férias pelo Clube do Ipê, mas não tinham camisas. Lógico que emprestei, mas sob a seguinte condição: Eu e Pita também participaríamos do time. Acordo aceito, eles foram correndo a pé até em casa buscar o uniforme salvador da pátria.
Ainda se recuperando da cachaça entrei em quadra como capitão do time (risos). O goleiro foi o professor de natação do Clube do Ipê. Sob muita pancada, principalmente em cima do Zezinho, vencemos por 3 a 2. Na defesa escalei Lata e Casselato; no ataque Zezinho (titular absoluto), Sapo e Pita. No dia seguinte outro desafio, agora jalesense.

Na hora do jogo contra os Acadêmicos, cadê o goleiro? Não veio. Pronto! Complicou. Olhei para os guris e de bate-pronto escalei Zé Luizinho. Não tive alternativa. Fomos para o jogo, agora com torcida, bandeira e tudo. Jogo truncado, nervoso, irritante, mas leal. Empate. Fomos para o pênalti. Não é que vencemos com defesas espetaculares do Zé Luizinho. Festa geral. Estávamos na final contra o fortíssimo Banespa. 

Para a final chegou reforço: Jack que estava pescando. Pela primeira vez assisti um goleiro levar um gol de cabeça no futebol de salão. Naquela época não podia chutar, cabecear etc e tal na área. O felizardo foi Zé Luizinho. Foi um gol antológico. Nesse jogo Zezinho marcou dois gols, e como nas partidas anteriores foi desclassificado por reclamação. Empate em 2 a 2. Jogo fechado, marcado, remarcado. Sofremos uma falta à esquerda da quadra em direção ao gol que hoje tem ao fundo Nossa Caixa. Enquanto eles preparavam a barreira, o juiz apitou. Não deu outra: Jack enfiou um bicudo na bola que entrou redondinha no gol adversário. No mesmo instante tirei Jack e formei a dupla de ataque com Pita e Sapo, exímios prendedores de bola. O que receberam de falta não foi brincadeira. A defesa formada por Lata e Casselato foi esplendida e marcadora implacável. Depois foi só comemorar, erguer a taça e dá a famosa volta olímpica. Foram dias felizes e recordáveis. 

Foto
Em pé da direita para esquerda: Jack, Casselato, Lata, Sapo, Zé Luizinho; agachados Oscarzinho, João Carlos, Zezinho e Pita. Infelizmente o tempo não deu tempo para Zezinho, Pita e Sapo. Na foto aparecem também Pio (segurando a bandeira) e ao fundo, atrás da Lata, o Espanhol. A mão esquerda espalmada atrás do Zé Luizinho é a cicatriz da foto.

Pecado mora ao lado
São fatos e acontecimentos como esses que tornam a vida mais bela e harmônica. Não existe vida sem viver e muito menos o respirar sem o aspirar. Pecado é não cometer o pecado. Cometemos o pecado porque adoramos viver sem fronteiras. Nós precisamos do pecado para sentir o prazer da vida. Sem ele não saberíamos construir o amanhã porque não existiríamos como ser humano. Devemos sim romper as barreiras da mesmice, do não pode, mas sem a quebra de valores e da moral. Não podemos ser o homem que fica diante do guarda à espera do sim. (Kafka). Na verdade, o pecado dos meninos foi vencer para serem autênticos. O pecado dos meninos foi quebrar o estigma que vença o melhor. O pecado dos meninos foi abrir a muralha do não. O pecado dos meninos foi romper a máscara social. O pecado dos meninos foi buscar a felicidade.

Sonho sem fim
Minutos antes de acordar de madrugada para escrever o texto Era uma vez... sonhei com o meu tornozelo direito, mal cuidado de uma lesão sofrida no início dos anos 70 do século passado. Lembrei-me dele porque está dolorido e doendo muito. No sonho apareceram Júnior Costa (El Macho) e Silvinho Pazlandin. O primeiro olhou e disse que são coisas do futebol. O outro olhou e disse que precisaria examiná-lo com mais precisão. O que me chamou atenção foi que há três décadas não converso com Silvinho, que para mim foi um dos ótimos jogadores de futebol e basquete que vi jogar em Jales e de Jales. Tinha boa impulsão, chutava bem com as mãos e os pés. O que me recordo dele, além do Oi! – Oi!, está relacionado aos jogos regionais de Penápolis, 1970. Ele fazia parte do grupo de basquete. Infelizmente não pode jogar por questões burocráticas. Ficamos em quarto lugar. Com ele, tínhamos condições de lutar por uma medalha. Se não me falha a memória, jogou pelo glorioso Sputnik

2007