Um dia desses fui indagado por uma bonita e
simpática jovem se eu era professor de história. Na brincadeira disse à jovem
que contava história. Demos boas risadas e começamos um ligeiro diálogo. Em verdade,
foi mais um monólogo. Expliquei que a minha especialidade, se é que posso
classificá-la de especial, é contar história da Imprensa relacionada aos
principais momentos políticos. No bate-papo informal, afirmei que contar
história como se conta uma cena de telenovela é imposição capitalista. Ou seja,
é a verdade revelada por uma única fonte. Informar ao aluno que o Cabral chegou
aqui por que chegou não o faz refletir e interpretar o fato histórico. É um
jogo mecânico e automático que o aluno ouve, mas não registra como
conhecimento.
Resolvi contar esta passagem para comentar o quanto
é fundamental retratar a História, não importa o período, depois de uma leitura
atenta às diversidades do tempo. Registrar os fatos históricos sem antes de uma
pesquisa qualitativa e quantitativa é pura retórica dos vencedores. E por
citá-los, quero dizer que boa parte da História tem o enfoque dos vencedores,
mesmo aqueles que adotam a cultura dos vencidos. Marx dizia que as ideias dominantes
em uma sociedade são as ideias da classe dominante, que, consequentemente,
determina o que é importante ou não no contexto histórico, político, econômico.
1 A história que me refiro não é só aquela dada em sala de aula, mas
também a publicada em livros não escolares por pesquisadores, em revista e
jornal ou em publicações científicas. O jornalista Eduardo Bueno relatou em
três volumes, publicados pela Objetiva, uma parte da História brasileira,
começando com a viagem do descobrimento, mas depois de longa pesquisa. O mesmo
fez o também jornalista Georges Bourdoukan ao narrar a saga do mulçumano
Saifudin, apelidado de Capitão Mouro, construtor das fortificações do Quilombo
dos Palmares e amigo de Zumbi.
Contar história de uma comunidade ou de um
continente não se restringe a uma lista com nomes de personagens ou a versão do
colonizador. As fontes de informação precisam ser diversificadas, ou melhor,
diferenciadas para mostrar as contradições, as visões antagônicas e as formas
que cada personagem relata a História. O jornalista tem a responsabilidade
social de relatar a História como ela é e não como ele imagina ser. Uma relação
de nomes não é uma fonte primária e sim uma informação generalizada que precisa
ser checada na sua plenitude e depois purificada. Para ilustrar melhor a minha
preocupação com a história de mão única, menciono uma frase do professor Philip
Meyer que nos faz refletir o quanto é perigoso o fato jornalístico parcialmente
relatado. “Bons jornalistas, diz a lenda, usam tanto o cinto quanto
suspensórios: verificação e dupla verificação. Eles não serão apanhados com as
calças caindo”.2
O que se busca ao registrar a História de um povo é
fortificar as características humanas e ainda evitar que ela seja instrumento
de dominação cultural da classe elitista. A boa História é contada nos detalhes
e não é ilusionismo. A história mal apurada jamais deve ser divulgada para não
correr o risco de cometer injustiça social. Um erro irreparável é
injustificável.
A professora Cremilda Medina, ECA/USP, argumenta que
nos países periféricos onde o coronelismo determina e direciona o ritmo da vida
das comunidades carentes, a história deixa de ser uns dos caminhos
enriquecedores do conhecimento e ser transforma em instrumento de manipulação
da classe elitista. “A ausência de consciência histórica como traço patológico
da sociedade brasileira – bastante acentuada pelos regimes autoritários –
sublinha nossa dependência e nossa fragilidade.”
Encerro este recado com uma frase dita por um
personagem jalesense [Jales/SP]: “Vencer é educar a mente”. Sebastião Moraes.
1 – GUARESCHI, Pedrinho. Comunicação e poder. Rio de
Janeiro: Vozes, 1988.
2 – MEYER, Philip. A ética no jornalismo. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1989.
3 – MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto à venda.
São Paulo: Summus,1988.
Antônio
Vieira Júnior
Jornalista
e professor
Doutorando
em jornalismo ECA/USP.
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Texto
escrito há 13 anos [+ou-] antes de concluir o doutorado em 2002.